terça-feira, agosto 16, 2005

Peire d'Alvernhe

Nos tempos de tênue dia e noite espessa,
Quando a branca aurora ganha cor,
Desejo que meu espírito brote e cresça
Em nova alegria de fruta e flor.
Pois sem suas doces folhas vejo os galhos,
E retraídos entre a neve e o frio
O rouxinol, o tordo, o pica-pau e o gaio.

Desjosta'ls breus jorns e'ls loncs sers, e eu, pontiagudo, sei-me encostado ao vento que sopra de tua casa, agora, revolto nos anéis que te dizem idade minha. Tenho sono, mas resisto, vejo areia em pensamento. Tempos que teus olhos não conhecem e te arrepiam. Vez: noite longa, noite espessa.
Qan la branc'aura brunezis, e teus quadris se fazem largos, pedindo filhos que eu te dê, semelhante Diana. Lembrança temprana de meses seguintes, talvez lustros, que nos pedem posições nada cômodas, oito patas de aranha e o rubor que a cor ganha.
Vuoill que branc e bruoill mos sabers para ti, naranjo en flor. Dízimo dos bosques, perfumes e restolho de centenárias aras. A tua geografia se basta com uma morte, lentamente ferida no amor que te tenho e apresento no lenho. Para ti faço saber que pereça, saber que brote e cresça.
D'un nou joi qe'm fruich'e'm floris. Sói ser, e eu quis. Lua crescente cortada e picada, junho e juízo. O desejo. Oculta seiva que te vai pelo corpo, que saboreio ao longo do dia, tênue. Tempos que teus olhos não conhecem e te arrepiam. Mãos dadas em escura gruta. Ainda: flor e fruta.
Car del doutz fuoill vei clarzir los garrics, como tua pele enrugada de água fria, doce ventania a arrancar lágrimas no poente. Talvez o corte aumente com a lembrança temperada do verde tricotado em tua saia reptiliana. Nada que não te caia bem. Folhas nadam na neve, tristes espantalhos só galhos.
Per qe's retrai entre'ls enois e'ls freis, amor, somente amor, geração espontânea da vida não explicada. Tu és a razão obtusa das obtusas frases, clareza de estilo, plena significação, incerto propósito. Ratifico meu recanto nas vozes que te chamam, loucura alheia. Pena comigo, amor meu, pena e eu pio, na neve e no frio.
Lo rossignols e'l tortz e'l gais e'l pics.
Peire-rouxinol-tordo-pica-pau-gaio.

Mutante.

domingo, agosto 14, 2005

missiva

Si con te, silenzio.

Chegam aos poucos. Os uniformes bem lhe cabem, justos, assim enfrentam os calores, a fadiga. Simpáticos e sorridentes, nada fazem mal a uma mosca; uma criança bem os recebe, como que fraternalmente. Sua bondade recrudescente faz o mundo padecer, são políticos, verdadeiras armas do exterior, fecundas exibições das infinitas possibilidades. São a beleza da moda, refletem e criam, simul, são e formam.
Crer na beleza do todo. Que capacidade! Tratam-nos com malícia, à maneira simples. Nuova scuola, nuova arte. Os dragões foram os últimos monstros de seu bestiário. O requinte com que abordam assuntos inexoráveis equivale à comichão de oxiúro de seus luxos intocáveis. Siglas e carteiras, o bônus dos vários meios transcendentes. O bronze do uísque trancado em suas maletas biônicas. Cigarras pernetas, caolhas e roucas enroscando-se prazerosamente a seus falos insaciáveis, discordadas fêmeas, atraídas pela bela paisagem pantanosa, movediça.
No espelho, a massa cinzenta. Os homens de finanças pensam nos futuros lançamentos, o quanto pesa o vento de abril, em que consiste a idéia etérea, qual dos elementos mais lhes agrada ser a origem, que era deles antes do caos. Tudo uma séria aposta, seria e bella, como quando arranhavam o ventre materno, interno. Em seu próprio útero fetal germinavam o desenvolvimento. São filhos bastardos da Ciência, que no momento da debilidade os chamava para si, como a cometer um incesto por eles deliberado.
Lidar com números, lemingues. Progresso.
Um risco na tua testa.

Paura.

terça-feira, agosto 02, 2005

Kronstadt

Cu de cobre. Falsidade.
O leão das matinas, espreitando presas desavisadas, dormentes, despertadas. Vendeu sua juba aos primeiros, na verdade, leiloeiros de um suburbano mercado de pulgas. Acredito mesmo que tenha só alugado. Aquela sua alma quis sempre igual à dos grandes, ultraje dos caolhos, metidos a besta.
A barriga de víbices em plenário, empossando grosseira colônia de carrapatos, para todo sempre, escondidos em casernas abrigadas nas lenhas do próximo inverno. Leão-sapo das galerias, submerso em inconfidência, recolhendo em seu papo novas futuras negativas. Furta-se do clima seco e amaro em sombra que lhe fornecem subalternas palmas. Não bebe sua pele seca, saca a azeitona. De qual língua retrátil todos nós, pobres, receamos a pega.
Antigo leão, crido raposa, salvador dos caminhos pobres e agrestes, filho dos filhos e avós. Quiseram-no assim, representante por oriundo, o cabra. Feitor de longas eras desencontradas, dedo-a-menos, servidor do canhoto, sapeca de vermelho a cauda de quem se lhe aproxima em ritual sanguinolento, chagas internas, incuráveis hematomas. Rés do enxofre, filho desregrado, desmamado à natureza, chama a si através de inconfundível e atordoante grunhido.
Acendeu a vela da nossa casa e espreita, espera que durmamos ou que acordemos. Namora nossa desatenção, letal veneno. Leão-lobo peidorrento, sarna decomposta, cuidado cu dado e divulgado, exposição controlada do ardor das vísceras a serem consumidas. Leão-chimpanzé, a rir do que não tem graça, a comportar-se por banana que o seja, a masturbar-se para alegria da ninfa vizinhança. Grotesco mandril das estepes, espécie de tumor evolutivo que a si mesmo não se explica.
Segue, comanda a arca e seus descendentes. Espetáculo duro de ver, canibalismo aceito e prenunciado, no riacho que sobe o morro, deixando-os a seco, desnudos. Comanda lesmas aos pares, cujas gosmas rastreadas abundam nas estantes juventinas. Flora cactante dos intestinos públicos, morte certa, funerais anônimos, em nome de.
Conheço-o como minhoca, a comer terra indistinta, matéria-prima dos calvários, necessária graxa das eternas rodas, em si mesmo contido como o nada que se exalta, na convencional potencialidade. Chacona das entranhas maternas, gaiata, matreira, revolvendo as substâncias por inexoráveis estéticas. Carroça húmica, anelando o subterrâneo mundo, atrás, deixando-se a si em rastro anal. Fluxo entrópico das obviedades, travestidas em ciência. Cego marchar de semelhantes archotes, seguros de seu caminho. Gravidade.
Leão, apenas minhoca, isca de peixe.