quarta-feira, janeiro 31, 2007

Cantiga

O rey de meu cuidado
Que es de meu amado?
O rey de meu abrigo
Que es de meu amigo?
Y el sol per compaign

O rey de meu castigo
Que es de meu amigo?
O rey de meu pasado
Que es de meu amado?
Y el sol per compaign

Que es de meu amigo
Raiz de meu olvido?
Que es de meu amado
Fruto del abacado?
Y el sol per compaign

Que es de meu amado
Se me lo ay pinchado?
Que es de meu amigo
Se me lo ay cogido?
Y el sol per compaign

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Rondeau

Três com um, dezoito, quinze e mais doze,
Essa a semente crescendo, difusa,
À fruta abacate, em voz animosa,
Três com um, dezoito, quinze e mais doze.
Deito meu zelo sob copa frondosa
Da floresta, unissoníssima musa,
Três com um, dezoito, quinze e mais doze,
Essa a semente crescendo, difusa.

domingo, janeiro 07, 2007

Amanhecendo, fui ao encontro. Percebi no seixo como a noite havia sido quente, o suor das arestas gravando meus pés. O momento em que se abrigam esperanças na dureza das rochas, no espessar de sujo que não as arredonda, pois todas o que querem é estar no mar, justamente sepultadas.
Naquele tempo, menos padecíamos pela cobiça, apenas, de longe, apreciávamos a qualidade do que foi e o pulsar do que sobrevinha. Mais ou menos, tínhamos à força uma delicadeza gentil, amoral, explícita, o sangue frio espreitando o agreste unívoco, sideral.
Nosso homem me esperava, quieto, como sempre, há muito sem notícias. Eu ia em missão, fora escolhido dentre os mais capazes e, verdade dita, mais dispensáveis. Era já manhã, e eu ia, pela estrada velha e deserta. O silêncio do vento me fez lembrar do bom cheiro da terra, do salgado enorme que se enterra sob a espécie de claro que nos queima a pele e os pelos. Era aí que chegava mais perto da falta, do antes de qualquer palavra e sem nenhum consolo para nenhum desespero. O espelho das altas moradas ali estava, na monta do caminho que me levasse a ele, o homem.
Foi quando senti, vale abaixo, o aroma das oliveiras, sutil mas pronunciado pelas mãos distintas e vibrantes de seus ramos. Estranhei ouvir mais o retorcer das madeiras do que a folhagem avigorando verde o teor dos mosaicos. Menos palha do que cepo, meus pés começavam a pesar na empreitada.
Pensando se deveria descansar, procurei na encosta uma sombra e vi que não estava só. Um carneiro branco de brilhantes cornos ruminava, parado, mas com a pata dianteira esquerda ligeiramente levantada, como a querer dar um passo que nunca ia. Pensei em me aproximar mas vi em seus olhos vermelhos um soturno vaticínio: esse era o carneiro que morreria e me forneceria alimento por sua carne, em holocausto, por minha importante viagem. Assim eu deveria entender que o santo alimento de sua boca era para mim santo alimento, uma vez que não havia pastagem por ali a que ruminasse. Voltei e me pus novamente no caminho, baixando os olhos, como que para não resumir um delírio que me tomava os tempos. Meu corpo todo doía.
Mais à frente, no caminho, senti um ligeiro incômodo sob os pés, como que pequenas ranhuras no solo tomando forma. E cresciam, consoante o caminho se inclinava, e se tornavam novamente delgadas quando se aplanava. Eram raízes, cobertas de poeira e duras, fósseis, que emergiam dentre os pedregulhos. Firmei o pé sobre uma delas e pude sentir que eram bem menos quentes do que o caminho. E também, cada vez mais iam tomando forma e se emaranhando, já não mais respeitando a inclinação. Apavorei-me com o fato de que não ia conseguir chegar a tempo diante daqueles obstáculos, e as raízes começavam, agora, a despontar do chão, mirando cegamente um crescer, um buscar indefinido entre elas mesmas, secas e retorcidas. Pensei ter visto algumas respirando, enganei-me, apenas eu, na pressa, deixando um rastro de cortes e quebradiças. Minha cabeça doía e já não tinha mais certeza da razão da preocupação que me tomava. Apenas seguia, agora, com a vaga idéia de que era isso que devia fazer, entre as tábuas de raízes, entre o lenho do mangue seco, estava eu a derramar meu sangue, fertilizando as potestades que por lá viviam. Nessa hora, passou-me a mente a figura de um homem pequeno, fraco, em andrajos e feliz, cruzando os campos e cantando, como se a nossa vida daqueles tempos tivesse algo de ser cantado. Sorri e já não podendo mais continuar, senti que as raízes me espetavam e que já não podia mais olhar para nenhum lugar que não fosse o alto, o extremo alto. Ouvi o ranger de me quebrar o pescoço. Na realidade, não sabia se era realmente o alto pois nada mais havia que pudesse me referir. O que ali a via, verde, a copa de uma bela oliveira, exalando um perfume raro.
Deixando de ser, escorrido, percebi que um atrevido inseto tateava, em busca da seiva.