domingo, julho 31, 2005

C.

Tua imagem é cobra sem veneno
A esguiar-se sobre a pedra bruta
Do meu pensamento pleno,
Corpo de cobra que é todo voluta
Desenvolvido num peito escaleno:
Tua imagem resoluta.

Teus cabelos, escamas multiformes,
Trilhas na pedra feitas pelo vento
Por meus olhares enormes
Que buscam no teu corpo um vão intento,
Despertos para que já não te informes
Onde está meu aposento.

Tuas duas espáduas são as presas
Da víbora que a pedra grande lasca,
Cuidadas as mãos e presas.
Foi-te descolada do corpo a casca.
Desamparadas, as minhas defesas
Se arrepiam na nevasca.

Teus olhos são o fôlego da pedra
Cuja pele percebes ser a minha:
Isso que em ti de mim medra.
Teu ventre já não é cobra nenhuma
Por mais do que palavra, do que linha
Que o asceta o assuma.

segunda-feira, julho 18, 2005

Fugu como me gusta

Eu perdi tudo que eu tinha,
Por aí já ando nu,
Só não posso esquecer
Do meu peixinho baiacu
Baiacu, baiacu, baiacu, baiacu,
Meu peixinho baiacu
Baiacu, baiacu, baiacu, baiacu,
Meu peixinho baiacu.

A lula e o polvinho
Têm bracinhos pra chuchu,
Mas se pegos de surpresa
Chamam logo o baiacu
Baiacu, baiacu, baiacu, baiacu
O peixinho baiacu
Baiacu, baiacu, baiacu, baiacu
O peixinho baiacu.

sábado, julho 16, 2005

O que me parece mesmo é que sonhar com uma girafa não é certo. Um algo de maniqueísmo: elas só têm perfil, bidimensionais.
Não é certo, porque desconfio de que embaixo delas há uma varetinha, dando-lhes equilíbrio. São destacáveis, figuras de sombra, sonhos perdidos e recuperados. Há algo de giráfico em olhar para baixo e lembrar que o mundo não é tão pequeno assim, como dizia meu amigo de Laputa.
Há também um certo desconforto de sonho em sonho, de acordar para dormir, de continuar, à maneira delas, de olhos fechados, semi-abertos. Se um pesadelo, um alívio à pena pago, se primícias, um desvelo de existência, seguido pelo ocre das manhãs mal dormidas.
Um sujeito como eu preferiria sonhar com uma árvore outonal, que anda, um tanto desajeitada. Sonharia também com um tráfego de veículos marrom, padronizados e irregulares, no deserto de areia. Teria a fantasia de elevadores como seiva arterial, antenas movediças que os levassem, satélites, onde manda o pobre coração.
Feitas adaptações, quase posso ouvir a voz de uma delas, sugada por séculos de indefectível evolução ungulada, sonhada em pé por camelos-leopardos querendo ser...