terça-feira, julho 08, 2008

Uma história polaca (I)

Antes, a floresta já existia. Suas arestas, menos polidas, entravam, tímidas, pela aldeia. As copas, mais cerradas, eram escudos para os dardos solares e as veias de seus caminhos menos cheias de obstáculos. Ainda assim, observados os limites, era pequena, como hoje; cena dos corriqueiros dramas silvestres, misturadas vozes, cores apresentadas.
Antes, havia temporadas. Os pássaros migrados as inauguravam. Viam-se as flores e os frutos, a neve era firma dos antepassados. As pegadas gentis da caça não negligenciavam a honra dos repastos. Nos ventos apenas encontrava-se a discórdia dos movimentos, porque da enseada vinha, como a querer arrastar a floresta. Mas ela permanecia, não porque tinha convicções de estadia, apenas era a floresta e tinha na fertilidade da sua terra a seiva conquistada.

Lubomir, o filho da aldeia, adorava passar as tardes longe do povo, junto às árvores que margeavam a gleba abaixo de onde morava. Colhia os frutos silvestres, passeava por entre os desenhos solares que se formavam pelas frestas das copas ramadas, passava horas observando o cortejo das formigas na sua lida diária, mas o que mais gostava de fazer era tentar imitar o canto dos pássaros. Nunca fora muito de falar nem de rir, como seus irmãos, mas isso a ninguém importava. Sua mãe era doente e se limitava a ficar feliz se o filho não causasse problemas. Para ele, Lubomir, era melhor que a aldeia nem existisse, só o que queria era sentir-se feliz no silêncio das tardes mornas.
Naquela época, ainda não havia a proibição de passar os limites da floresta. Os paisanos naturalmente não gostavam de se aventurar por lá, só alguns caçadores penetravam na parte oriental, onde estavam o pasto e os animais de maior porte. Com isso, Lubomir nunca tinha visitas, vivia só, sem ser importunado; de tal modo conhecia cada caminho, cada árvore, cada colônia de formigas que, se alguma vez aquela floresta necessitasse de um dono, essa eleição teria esmagadora vitória dele, aclamado pelas raízes seculares, sob a ovação dos eternos musgos das rochas.
A água, no entanto, era temível. Ele conhecia a história das criaturas devoradoras que lá se escondiam, sempre à espera de quem se aproximasse ingenuamente a saciar sua sede. Perto dali, no limite ocidental da floresta, estavam o mangue e o grande carvalho, onde uma vez por ano acontecia a festa do protetor da aldeia, no início da primavera. Lubomir compartilhava do respeito e reverência do povo que, afora esse dia, nunca se avizinhava de lá, com medo dos espíritos que escapavam das inscrições lascadas na grande árvore.
Era costume, naquele tempo, por volta do meio do outono, quando os dias começavam a ficar mais curtos, ter início o plantio do centeio, já que o trigo raramente sobrevivia aos meses de inverno. Lubomir odiava os pães feitos de centeio, odiava mais ainda a cerimônia de preparo deles e passava os dias de outono na floresta, comendo raízes e insetos.
Recentemente, como tinha mais tempo e parecia ter esgotado os artifícios vocais e bucais para imitar os pássaros, e como ainda julgava não estar nem na metade de seu exaustivo trabalho de catalogação dos cantos, tinha arrumado um caniço ali onde o mangue fazia fronteira com a floresta e improvisado uma flauta, da qual conseguia tirar sons mais fortes e agudos e trilos próximos aos de alguns tordos e melros, proeza que suas cordas vocais, estalos e assobios jamais dariam conta.