quarta-feira, julho 16, 2008

Uma história polaca (II)

Numa dessas tardes de outono, fazia um calor incomum e Lubomir, cansado, acabou adormecendo junto a uma de suas árvores prediletas. Ele que nunca sonhava, nesse dia teve um sonho vívido, colorido e detalhado, muito provavelmente porque nem percebeu que dormia. A lembrança seria possível, não fosse o modo com o qual foi acordado; um susto causado por um canto que nunca ouvira, grave, escuro e que vinha de uma árvore ao lado. Já expirava a tarde, segurada delicadamente pelo sol que teimava no horizonte, luz oblíqua. Lubomir avistou o eclipse de uma ave de rapina num corpo atarracado, a criatura virou o pescoço e seus grandes olhos brilharam, uma coruja. Ele nunca havia visto uma e ela parecia não se importar com a presença dele. No entanto, seu amor aos pássaros foi imprudente e a brusquidão com que se levantou fez com que ela alçasse vôo em direção à enseada. Sem pensar, ele seguiu correndo atrás dela pelo labirinto pouco iluminado da floresta que tão bem conhecia. A ave voava, veloz, mas parava sempre em um galho ou outro, tempo de Lubomir quase alcançá-la e ela, novamente assustada, retomar o vôo. Até que, num repente, ela tomou a direção do ocidente e sumiu nas profundezas das árvores velhas, onde Lubomir sabia que não poderia jamais encontrá-la nem segui-la. Sentiu uma tristeza profunda, logo superada pelo pânico ao perceber seus pés molhados e aquela inconfundível brisa soprando o lado direito do seu rosto. Ele estava na enseada.
Olhou para aquela imensidão de água e divisou uma figura, vizinha do sol que se punha. Era uma embarcação simples, com um homem em pé, remando, e uma menina, toda vestida de branco logo atrás. Ela olhava para baixo, mas quando levantou os olhos, direcionou-os para ele e assim os manteve, fixos. O barco se aproximava e Lubomir não conseguia se mexer, tamanho fascínio aquela figura lhe causava. Pensou se não era um dos animais devoradores da água e, embora sentisse muita vontade de fugir dali, não conseguia, seus pés estavam fixos na lama que a água fazia do solo.
Conforme o barco se aproximava, uma sensação inédita tomou conta de Lubomir. Ele percebeu que a menina não olhava para ele, mas sim para um outro ponto fixo em terra, à sua esquerda. Nunca fruto nenhum se mostrou tão doce, nunca pássaro nenhum havia cantado melodia tão bela, nada, nada naquele mundo vasto da floresta se comparava à sensação de ter sido olhado por aquela menina, mesmo que ela sequer tivesse percebido que ele estava ali. O barco também não vinha mais em sua direção, e, no entanto, ele continuava paralisado, olhando para ela. Notou então que ela trazia um colar de contas castanhas, que ele não conseguia entender o que eram, só lindas, e que de alguma forma realçavam os olhos de sua dona. A expressão dela era triste, uma tristeza esperançosa, como se seus olhos buscassem algo na floresta mas seu corpo estivesse preso na imobilidade.
Lubomir voltou para a aldeia, convicto de que nunca mais conseguiria pensar em outra coisa a não ser nos olhos da menina de branco.